terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Mirena. Coisas que ninguém te conta

Sou daquelas que sangra. Que sangra de verdade, com muitas cólicas fortes, fluxos muito intensos e longos. Minha vida sempre foi recheada de histórias embaraçosas relacionadas a esse tema desde muito cedo. "Coisa de família", eu ouvia de minha mãe e minha avó aos 11 anos de idade. "É assim mesmo, mas você vai melhorar" (ou seria mais apropriado dizer, "se acostumar"?).

Busquei ajuda profissional, claro, muitas vezes. Tentei os tratamentos clássicos, com anti-inflamatórios  e também usei vários tipos de anticoncepcionais, mas sempre tive que parar com esses medicamentos porque me causavam muitos efeitos adversos como náuseas, piora do sangramento (oi?), dores de cabeça, dores nas mamas e por aí vai.

Um belo dia alguém me sugeriu o Mirena. "Você vai para o céu", um médico me disse. "Não vai mais menstruar, esse medicamento é ótimo, só tem ação local dentro do útero, onde é liberada uma quantidadezinha mínima de hormônio, não vai sentir nada". E as vantagens não param por aí. "Você vai passar pela fase do climatério com muito mais facilidade do que as outras mulheres, vai sofrer menos com os calores, a perda da libido, a secura vaginal" e blablabla.

Convencida por essa "solução milagrosa da ciência para todos os meus problemas", fui lá eu colocar o dispositivo, com direito à ultrassonografia e tudo para que nada desse errado durante a colocação. E não deu nada errado mesmo não. Doeu, é bem verdade, mas a médica foi muito delicada e precisa, de modo que tudo ocorreu com rapidez e eficiência.

Meus problemas começaram depois. Primeiro veio aquele sangramento leve desagradável, o famoso sangramento de escape ou spotting, que nunca ia embora. Depois vieram aquelas acnes horrorosas no meu rosto e costas - estaria eu voltando para a adolescência? - isso sem contar no ganho de peso, sensibilidade mamária, blabla.

Várias consultas e várias ultrassonografias para monitoramento depois, isso tudo sem contar com todo o investimento financeiro inicial e mais a confiança da médica de que tudo o que eu estava sentindo naquele momento era "apenas a adaptação ao Mirena, tudo vai passar", eu insisti.

Insisti por 2 anos. E lutei bravamente. Porque durante esse tempo todo não tinha jeito que desse para meu organismo aceitar esse corpo estranho dentro de mim. Nunca parei de ter spotting ou acne ou irritação ou insônia ou sensibilidade nas mamas... A lista é longa. Mas ao mesmo tempo eu estava meio feliz porque não estava mais tendo aquela cachoeira, tipo cataratas do Niágara, todo mês e nem anemia. Por 2 anos eu troquei 5 dias de cataratas por 15 de riachinho irritante.

Até que um dia, depois de sangrar por duas semanas ininterruptas, caiu finalmente a ficha e eu vi que não ia adiantar esperar mais. O tempo passou, meu corpo não adaptou mesmo e a solução óbvia era tirar o Mirena de dentro de mim.

Fui de novo ao consultório, procedimento rápido e eficiente como sempre e vupt. Num segundo, sem dor alguma, ela retirou o badalado endoceptivo. Nas horas seguintes senti um pouco de cólica, mas fui avisada de que era normal e que ter um sangramentozinho de escape por alguns dias também era esperado.

Saí feliz (?) do consultório, finalmente teria minha vida de cão de volta, mas do jeito que eu sempre conheci, não desse jeito arrastado e pesado dos meus anos de Mirena.

E aí tive um escape que não cessou por 13 dias. No 14o veio ela, triunfante, colossal, minha menstruação. Acho que ela ficou tanto tempo lá dentro escondida que resolveu sair de uma vez, num turbilhão, com tanta força e potência, que o sangue que não conseguia escapar se aglutinava em coágulos do tamanho de bolas de pingue-pongue.

Pára tudo! Isso não estava no script. Ninguém me contou que eu poderia sangrar feito vaca abatida depois da retirada do Mirena!!!

Fui lá eu atrás da médica e a resposta padrão é que "é assim mesmo para algumas pessoas, o corpo precisa se reajustar, fique tranquila que vai passar, é uma fase".

Uma fase uma ova. Sem muita imaginação, vou ao doutor google procurar por "sangramento abundante após a retirada do Mirena". Nada. Mudei o texto para o inglês e bingo! Milhares de depoimentos de mulheres relatando exatamente a mesma situação, o sofrimento causado pelo Mirena, tanto durante o uso quanto depois de sua retirada, em que o organismo pode levar de 6 a 8 meses para voltar ao equilíbrio hormonal normal! Histórias arrepiantes, com direito a requintes de crueldade, hospitalizações e transfusões sanguíneas. E muitos processos judiciais contra o fabricante.

O fato é que o Mirena pode servir para ajudar muitas pessoas. Mas não todas. E isso não é dito em nenhum momento antes da decisão de se usar esse produto. Conta-se com as estatísticas favoráveis e tanto médico, quanto a paciente acabam se baseando nisso para fazer escolhas. Mas não somos todos iguais! Não somos números, além do quê é sempre bom lembrar que muitos estudos clínicos contém, sim, falhas metodológicas importantes que comprometem a validade de seus resultados. E esses depoimentos de tantas mulheres... Eles estão lá por uma razão! Será que ninguém vai prestar atenção nisso? Até quando vamos abafar a voz dos pacientes e o "doutor" é o único que pode saber o que é melhor para nós?

Estou no meu terceiro dia de sangramento ativo e árduo e com muitas perguntas sem resposta: por que deixar uma paciente claramente não responsiva ao tratamento ficar com um hormônio preso dentro do corpo, sem fazer qualquer intervenção, por tanto tempo? E por que não preparar essa paciente para a retirada desse hormônio? Não há nada que possa ser feito para minimizar esse sangramento tão violento e feroz? Não há nada que possa ser feito para dar um conforto psicológico para essa paciente, já que passar por essa experiência toda é algo inegavelmente penoso e devastador? Qual é o prognóstico? Esses sintomas continuarão por muitos meses? É preciso usar algum suplemento com ferro para não ter anemia? Qual é ou quais são as opções atuais de tratamentos não hormonais para hipermenorréia?

Sinto-me abandonada à minha própria sorte, pedindo nomes de médicos às minhas amigas, tentando algo da medicina alternativa e ao mesmo tempo pensando eu mesma em partir para uma histerectomia - solução mais radical, porém definitiva, irrevogável e cabal.

É. Tem mesmo muitas coisas sobre o Mirena que ninguém conta. Ou melhor, não contava.